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INSTRUMENTO DE REGULAÇÃO ÉTICO-DEONTOLÓGICA - CARTA ÉTICA

INSTRUMENTO DE REGULAÇÃO ÉTICO-DEONTOLÓGICA - CARTA ÉTICA

Enquanto associação científica, técnica e profissional empenhada em promover e defender a qualidade da investigação, da publicação e do ensino, a Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (SPCE), adiante designada Sociedade, contempla entre os seus objetivos centrais a elaboração de um instrumento de regulação ético-deontológica e o acompanhamento da sua aplicação através de uma estrutura específica (cf. Estatutos da SPCE, 1990; revisão 2014).
A Sociedade reconhece que os processos de construção científica adquirem contornos particulares no campo educacional, dando origem a leituras disciplinares e paradigmáticas forçosamente plurais e diversas. Mas a Sociedade reconhece igualmente que a afirmação de princípios de atuação comuns constitui condição necessária, ainda que não suficiente, para a valorização da pluralidade e diversidade constitutivas das Ciências da Educação.
A emergência de uma identidade segunda é essencial à consolidação de uma comunidade cientifico-educacional e à definição de uma especificidade transversal das ciências da educação, que instaure progressivamente práticas e atitudes comuns de investigação” (cf. Nóvoa, A. (1991).
Considera-se assim que a ponderação de carácter teleológico, sobre os princípios e os fins da ação, feita em situação e por cada ator, é indissociável do compromisso de tipo deontológico associado à adoção de padrões de conduta que permitam assegurar a realização prática de tais princípios garantindo, desse modo, as condições necessárias a um aperfeiçoamento constante (cf. Grupo de Trabalho sobre Ética e Deontologia, Relatório de Missão, 2014).
Com estes pressupostos em consideração e tendo por base um processo de reflexão, auscultação e debate iniciado no seio da comunidade científico-educacional, foi elaborado o presente documento, doravante designado por Carta Ética da SPCE, contendo os princípios e as orientações formais referentes ao compromisso ético dos membros da Sociedade. A Carta Ética da SPCE inscreve-se num quadro de respeito pelos direitos humanos, pelos valores democráticos e pelos princípios da ciência, situando-se em linha com os princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e com as recomendações internacionais e nacionais sobre a qualidade da investigação educacional, designadamente da European Educational Research Association (EERA).
A Carta Ética da SPCE pretende funcionar, fundamentalmente, como um referencial de boas práticas, a partir do qual seja possível identificar e examinar as situações de conduta profissional imprópria, assumindo como objetivos fundamentais:
- Promover o desenvolvimento de aptidões de reflexividade ética e de deliberação prática potenciadoras do poder decisional de cada investigador, na sua relação com os participantes da investigação, com a comunidade de investigadores, com os estudantes e os profissionais da educação, com os promotores da investigação, com as comunidades e a sociedade em geral;
- Promover o desenvolvimento de práticas de investigação e ensino em Ciências da Educação pautadas por padrões de exigência ética, rigor e qualidade;


- Promover o desenvolvimento de uma cultura pública de confiança e valorização relativamente à investigação em Ciências da Educação produzida por investigadores portugueses e/ou em contexto institucional português.

INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO - PRINCÍPIOS E ORIENTAÇÕES PRÁTICAS

Na relação com os participantes da investigação
A relação com os participantes da investigação, todas as pessoas que, de forma direta ou indireta, estão envolvidas no processo de investigação, deverá ser pautada pelo princípio fundamental de respeito por cada Pessoa, enquanto ser humano único, inserido em comunidades e em grupos sociais com os quais estabelece relações de interdependência.    tende a desenvolver-se em contextos humanos, organizacionais e sociais muito complexos, requerendo por parte dos investigadores uma ponderação especialmente exigente sobre os possíveis impactos da investigação, pessoais, institucionais e sociocomunitários.   envolve com frequência pessoas e grupos humanos vulneráveis, como crianças, pessoas idosas ou pessoas que, de modo permanente ou temporário, se encontram privadas da sua capacidade cognitiva ou de decisão, ou mesmo da sua liberdade, requerendo por parte dos investigadores aptidões particulares de sabedoria prudencial.

Consentimento Informado
Os participantes têm direito a ser plenamente informados e esclarecidos sobre todos os aspetos relativos à sua participação, bem como a mudar os termos da sua autorização, em qualquer altura da investigação.   

Confidencialidade /Privacidade
Os participantes da investigação têm direito à privacidade, à discrição e anonimato. Como tal, os investigadores deverão assegurar que os dados fornecidos pelos participantes sejam totalmente anónimos e confidenciais, a não ser que os próprios participantes, ou os seus representantes legais, tenham voluntária e explicitamente renunciado a esse direito.

Divulgação da Informação
Os participantes têm direito a ser informados sobre os resultados da investigação e sobre a forma como esses resultados vão ser usados e divulgados, em conformidade com o que for acordado no âmbito do consentimento informado.    A Sociedade recomenda como boa prática que os investigadores consultem os participantes no momento de conclusão da investigação, dispondo-se a partilhar os dados resultantes da sua participação.

Desistência de participação
Os participantes têm sempre direito a manifestar dúvidas ou reservas relativamente à sua participação, com motivo ou sem motivo expresso.

Benefícios e Respeito pela Integridade
A relação dos investigadores com os participantes deverá, sempre, ser orientada pela intenção de benefício. Como tal, os processos de investigação, bem como os seus resultados, deverão ser pensados e comunicados de forma a evitar qualquer situação que possa constituir ameaça para a integridade das pessoas e comunidades envolvidas. Os processos de investigação deverão ainda ser conduzidos de forma a não sobrecarregar ou afetar os participantes para além do necessário, tendo em conta os objetivos da investigação.

NA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE DE INVESTIGADORES
Atuando segundo os princípios gerais da ciência, os investigadores têm responsabilidades específicas para com os outros membros da sua comunidade científica, numa lógica de solidariedade académica e profissional, pautada por valores de respeito mutuo, de competência, liberdade e autonomia.

Autoria e Coautoria
O direito de assinatura corresponde a um direito pessoal inalienável, devendo, enquanto tal, marcar a relação entre autores, segundo os princípios de integridade, honestidade e respeito pela propriedade intelectual. Nas situações de coautoria deverão ser explicitamente respeitados os contributos de todos os investigadores envolvidos, sendo a ordem de autoria determinada por critérios de produção científica e não pelo estatuto académico ou outro indicador de antiguidade. A inclusão indevida de autores (autoria coerciva, ou autoria honorária) ou a omissão de investigadores (auxiliares de investigação ou outros colaboradores) que tenham contribuído de forma substancial para a investigação são consideradas inaceitáveis.

Revisão de Pares
A prática de revisão de pares traduz a cultura de uma comunidade científica, evidenciando, de modo particular, os estilos de relação entre investigadores, seja no âmbito da avaliação de projetos ou da publicação de trabalhos científicos.

Publicação
No seguimento dos princípios de produção, autoria e revisão anteriormente enunciados, seja na qualidade de autores, editores ou assessores de edição, os investigadores seguir as diretrizes da comunidade científica especificamente respeitantes à publicação, como, por exemplo, as do Committeee on Publication Ethics (COPE, 2011).

NA RELAÇÃO COM OS ESTUDANTES E OS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO
A relação dos investigadores com os estudantes, com os outros profissionais da educação (das entidades públicas ou privadas) deverá ser pautada por atitudes de sensibilidade relacional e de profissionalismo, em consonância com os princípios fundamentais da relação pedagógica, de responsabilidade, respeito mútuo, integridade e competência, e de tal maneira que a conduta profissional de cada investigador possa, em si mesma, constituir um modelo ético de referência para todos aqueles que estão sob a sua influência direta, seja no âmbito da docência, da orientação académica, da consultoria ou a da supervisão.

NA RELAÇÃO COM OS PROMOTORES E COLABORADORES DA INVESTIGAÇÃO
Os promotores têm direito a ser informados e esclarecidos sobre os objetivos, a metodologia e os resultados dos processos de investigação que contam com o seu financiamento ou colaboração, mediante protocolos ou acordos escritos. Esses acordos deverão, sempre que possível e, especialmente, no caso de investigação com financiamento público, conter a referência aos princípios éticos que configuram a investigação científica.
Nas situações em que se verifique dificuldade no cumprimento dos acordos/protocolos estabelecidos, como, por exemplo, nas situações em que os protocolos possam constituir violação dos princípios éticos fundamentais ou nas situações em que a comunicação dos dados aos promotores possa ser prejudicial para os participantes, os investigadores deverão recorrer ao parecer de um terceiro aceite mutuamente ou, em caso de dúvida, à consulta de entidades com reconhecida autoridade no âmbito da revisão de pares e da ética educacional.

NA RELAÇÃO COM AS COMUNIDADES E COM A SOCIEDADE EM GERAL
Os investigadores têm obrigações científicas e profissionais para com as comunidades e com as sociedades onde vivem e trabalham. Por outro lado, a inscrição pública do trabalho científico constitui um elemento crucial na vitalização dos processos de desenvolvimento e melhoria das práticas de investigação em Ciências da Educação.
Os investigadores deverão atuar sempre segundo princípios de transparência e de responsabilidade social, de modo a assegurar que o conhecimento produzido no âmbito da sua área de especialidade possa ser usado em prol do bem comum e do benefício das pessoas.
As declarações públicas, feitas pelos investigadores no âmbito da sua atividade profissional ou no âmbito da sua intervenção cívica, deverão ser produzidas de forma cientificamente sustentada e nem coerência com o disposto na Carta Ética da SPCE.

IMPLEMENTAÇÃO E REVISÃO

Âmbito de aplicação
A Carta Ética da SPCE, enquanto instrumento de regulação ético-deontológica da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, vincula todos os seus membros, referindo-se às atividades exercidas no âmbito das Ciências da Educação, em conformidade com o que se encontra estipulado nos Estatutos.
A Carta Ética da SPCE pode ainda servir como quadro de referência para a atividade de outras pessoas e instituições que se dedicam à investigação e ao ensino, em qualquer domínio das Ciências da Educação, mas sem que tal implique obrigações de carácter vinculativo.

Conselho de Acompanhamento
Concebido segundo uma visão positiva e pedagógica, em conformidade com o modelo de regulação ético-deontológica adotado, o processo de implementação da Carta Ética da SPCE decorrerá num período temporal de três anos, sob a coordenação de uma estrutura específica, designada Conselho de Acompanhamento da Aplicação do Instrumento de Regulação Ético-Deontológica, ou, simplesmente, Conselho de Acompanhamento, o qual, sem prejuízo do regulamento próprio do seu funcionamento, terá atribuídas, entre outras, as seguintes funções principais:
- Dinamizar e supervisionar a estratégia de aplicação, discussão e divulgação da Carta Ética da SPCE, numa perspetiva de ampliação e aprofundamento do processo de auscultação, reflexão e debate iniciado pelo Grupo de Trabalho Sobre Ética e Deontologia (2013-2014).
- Emitir Recomendações, Declarações e Pareceres sobre procedimentos éticos relativos aos processos de investigação, ensino e publicação em Ciências da Educação, por iniciativa do próprio Conselho ou quando solicitado.
- Analisar situações de conduta profissional imprópria que sejam reportadas à Sociedade e que possam constituir violação dos princípios consagrados na Carta Ética da SPCE.

Revisão
Sem prejuízo da possibilidade de revisões extraordinárias que venham a ser consideradas oportunas, a Carta Ética da SPCE, aprovada em Assembleia Geral de 12 de setembro de 2014, será objeto de revisão no final dos três anos subsequentes à sua aprovação e correspondentes ao término do mandado da atual direção da Sociedade.

NOTA FINAL
A Carta Ética da SPCE não esgota, nem poderia esgotar, o universo de possibilidades relativo à formulação de padrões éticos em Ciências da Educação.
A Carta Ética da SPCE não oferece soluções para os múltiplos problemas e dilemas que emergem da prática, isto é, ela não substitui, nem poderia substituir, o poder de decisão dos investigadores. Na verdade, a opção por uma descrição prescritiva e detalhada de comportamentos desejáveis não seria congruente com um modelo de regulação prática assente no primado da reflexividade ética e na valorização do juízo prudencial, feito em situação.
A adesão aos princípios consagrados na Carta Ética da SPCE representa, antes de mais, um compromisso pessoal por parte de cada investigador(a). Como tal, apela-se ao empenho de todos os membros relativamente à aplicação, divulgação e melhoria da Carta Ética da SPCE, numa perspetiva de qualificação das práticas e de desenvolvimento do ethos da comunidade científico-educacional portuguesa.

Referências:


da Educação, S.P.D.C. (2014). Instrumento de regulação ético-deontológica: Carta ética. Consultado em http://www. spce. org. pt/CARTA% C383, E2.

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